MANIFESTO PELA PRESERVAÇÃO DA DIETA MEDITERRÂNICA

Preservação da Dieta Mediterrânica

Um grupo de especialistas, da área da saúde e da cultura, e que estiveram envolvidos na candidatura da Dieta Mediterrânica a património imaterial da humanidade pela UNESCO subscrevem um documento com 10 ideias para defender este modo de comer que é reconhecidamente protetor da saúde.

O Manifesto reconhece que a Dieta Mediterrânica está debaixo da pressão de uma sociedade que se está a modificar rapidamente e necessita de ser repensada e recriada para sobreviver no futuro.

PODE LER O MANIFESTO AQUI:

Manifesto pela preservação da Dieta Mediterrânica

O modelo cultural de Dieta Mediterrânica (DM), evidente nas celebrações e festividades populares que celebram os alimentos, foi reconhecido pela UNESCO como Património Cultural Imaterial da Humanidade. É um património a proteger, dada a sua fragilidade e continuada erosão nas atuais sociedades mediterrânicas.

A preservação da DM implica uma participação transnacional dos Governos, dos setores da cultura, agricultura e saúde, e dos cidadãos, de forma a preservar a diversidade cultural, a biodiversidade, proteger a capacidade produtiva e regenerativa dos solos e a saúde das populações. Apesar deste consenso, temos de ir mais além e identificar os setores e áreas de intervenção onde podemos fazer a diferença. Este é um contributo para a necessária discussão.

Dieta significa modo de vida, a “díaita” dos antigos gregos. No mediterrâneo, uma importante via de comunicação e comércio na história da humanidade, esse modo de vida esteve sempre em rápida mudança, expandindo-se e adaptando-se nos últimos 8000 anos. Uma das principais características da DM é, por isso, a adaptação e a diversidade. Adaptação ao clima, a novas plantas, a novos conhecimentos e a influências entre culturas. Preservar a DM é preservar a biodiversidade e a diversidade cultural.

A Dieta Mediterrânica apresenta várias expressões regionais, consequência de microclimas, condicionantes culturais, religiosas e de saúde. Em todas elas coexiste um refinado e denso conhecimento culinário, um grande reconhecimento da importância das refeições, de quem cozinha e da convivialidade em torno da mesa. O convívio não é tempo perdido. A preservação da DM é a preservação do tempo das famílias para produzir, comprar, cozinhar e estar juntos à mesa.

A Dieta Mediterrânica tem uma relação direta com os ciclos astrais e agrários. A Dieta Mediterrânica adapta-se ao clima. É essencialmente sazonal, varia em função das estações do ano e dos seus alimentos frescos de produção local. A preservação da DM é a preservação da capacidade de produzir perto de onde vivemos e de conseguirmos comprar de forma justa a quem produz. A preservação da DM é a preservação de quem produz localmente e o fortalecimento das economias regionais.

A Dieta Mediterrânica é reconhecidamente promotora da saúde. Pelos alimentos que incorpora (azeite, cereais, leguminosas, fruta…), pela forma como os prepara, mas principalmente pela frugalidade. Frugalidade significa comer em função das necessidades energéticas e comer em qualidade e não em quantidade. Só assim se evitam doenças como a obesidade ou a diabetes. A preservação da DM passa por valorizar a comida de qualidade, mas não o consumo excessivo.

A Dieta Mediterrânica inclui pequenas quantidades de carne e peixe, mas é um modelo alimentar de base essencialmente vegetal. A DM em Portugal caracteriza-se pela maior quantidade de pescado, pelas sopas e pratos de panela. A preservação da DM passa pelo reconhecimento destes sabores e saberes na escola, onde o comer mediterrânico e o saber cozinhar mediterrânico devem fazer parte do dia-a-dia das escolas nacionais e dos seus objetivos de ensino.

A Dieta Mediterrânica sempre foi capaz de alimentar a família alargada e as comunidades, quer nas aldeias, quer em cidades populosas. Foi reconhecida e praticada por todas as camadas da população. A Dieta Mediterrânica não é uma dieta gourmet, cara e acessível apenas a poucos. A preservação da Dieta Mediterrânica deve possibilitar que todos tenham acesso a ela independentemente da sua capacidade económica.

A Dieta Mediterrânica, sendo adaptativa, acolheu o milho, a batata e o tomate nos séculos XVI/XVII. Introduziu a preservação pelo frio no século XX que permitiu reduzir o sal. E está a acolher uma maior participação do homem na compra e no cozinhar dos alimentos no séc. XX – XXI. Preservar a DM é reconhecer o trabalho da mulher como guardiã da alimentação saudável da família, a herança e transmissão de conhecimentos e segredos culinários do passado, mas também hoje a participação do homem na partilha das tarefas domésticas da alimentação e outras.

A Dieta Mediterrânica tem um enorme impacto na saúde das populações e este aspeto é hoje muito valorizado pela sociedade. Para além disso, a informação de base científica que relaciona a DM com a preservação da saúde permite a criação de linhas orientadoras coerentes que facilitam a intervenção e a avaliação do seu impacto. A preservação da DM passa pelo envolvimento e capacitação do setor da saúde para este assunto.

As alterações climáticas, com o aumento das temperaturas médias, redução da pluviosidade, a demografia e desertificação, colocarão o acesso à água, a produção alimentar e o relacionamento humano sob grande pressão. A DM é reconhecidamente um modo de consumir protetor do meio ambiente. Através do consumo alimentar mais consciente poderemos fazer a diferença no planeta. A preservação da DM representa hoje um modo de preservação do planeta onde o setor do ambiente terá uma palavra central.

A Dieta Mediterrânica resulta da interação equilibrada entre o homem e a natureza, modelou social e culturalmente todas as sociedades mediterrânicas e influenciou outras regiões do planeta. A preservação da DM é a preservação da cultura popular e alimentar das sociedades do Sul (Sul da Europa, Norte de África e Medio Oriente) devendo este processo ter uma participação central do setor da cultura.

 

Pedro Graça – Nutricionista (FCNA – Universidade do Porto), Diretor do Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável (DGS).

Jorge Queiroz – Sociólogo e gestor cultural, Chefe da Divisão de Cultura, Património e Museus da CM de Tavira.

Clara Bertrand Cabral – Antropóloga, Técnica Superior da Comissão Nacional da UNESCO  –  Setor da Cultura

 

Pode descarregar todo o manifesto aqui.

 

Fonte: Nutrimento | Foto: pixabay